EXAME | “Ainda existe um problema de auto confiança das mulheres no mundo do trabalho” (2024)

O papel dos líderes das organizações está em plena mudança e, ser gestor nos dias de hoje, exige uma constante adaptação às novas realidades do mercado de trabalho. “Enquanto há uns anos um líder geria e desenvolvia a sua organização numa perspetiva mais hierárquica, autoritária até, onde existia um poder e um centro de gravidade ao qual as pessoas se sentiam agradecidas por poderem trabalhar naquela empresa, neste momento, as coisas mudaram radicalmente. Este poder, este centro de gravidade, passou para as pessoas”, defendeu Soledade Carvalho Duarte, managing partner da Invesco Transearch Portugal, no painel dedicado ao tema O Papel da Liderança, no decorrer da III Conferência Girl Talk, que se realizou esta quinta-feira, 16, no Clube Ferroviário, em Lisboa.

Segundo a gestora, atualmente não só são “as pessoas que escolhem as empresas para onde vão trabalhar, como são cada vez mais criteriosas nesse processo” que envolve um largo escrutínio dos líderes, das valores da empresa, das práticas de sustentabilidade, entre outros fatores.

“Os grandes nomes dos gestores e das empresas já não são um atrativo como eram noutros tempos. Isso deixou de ser um critério. As pessoas escolhem a empresa com que se identificam, aquela que tem um propósito mais aproximado aos seus valores e que lhe possa oferecer algo, além do salário, que lhe permita um maior desenvolvimento profissional”, garante Soledade Carvalho Duarte.

Face a todas estas mudanças, arranjar novos quadros e até manter os já existentes torna-se um problema quase diário para um gestor. Madalena Reis, administradora do Centro Cultural de Belém, admite que a retenção de talento é, hoje, um dos maiores desafios das organizações. “Para os Millennials, o emprego era considerado um privilégio. Nós tivemos de passar por um longo processo de aprendizagem e estávamos mais disponíveis para a empresa, prejudicando por vezes a nossa vida pessoal. Para a geração Z o emprego é um direito. E os jovens chegam ao mercado de trabalho com um número de exigências enorme”, justifica a administradora do CCB.

Sobre o papel das mulheres nesta nova liderança, Soledade Carvalho Duarte admite que ainda existe “um problema de auto confiança das mulheres no mundo do trabalho”, que, na sua opinião, é gerado por várias de ordem cultural e social. E dá um exemplo: “Na minha empresa ajudamos empresas a contratar gestores e diretores de primeira linha. Se eu tiver sete homens a quem convido para um projeto todos eles ficam entusiasmados e dizem que querem assumir o cargo. Se eu tiver as mesmas sete mulheres, terei duas que se mostram interessadas, quatro que irão duvidar das suas capacidades para exercer essa função e uma que me vai dizer que não, apresentando os mais variados motivos, desde a falta de confiança, a segurança que tem no local onde está, por não querer novos desafios, etc. É abissal a diferença de postura do género quando enfrentam um head hunter. E isto passa-se em todas as gerações, desde as jovens de 30 ou 35 anos até às senhoras com 55 ou 60”, esclarece.

Para a managing partner da Invesco Transearch Portugal há um trabalho de auto confiança que tem e ser melhorado. “As mulheres têm de perceber que outras houve que conseguiram superar esses desafios”, explica.

Um desafio que foi vivido por Filipa Garcia, CEO da Garcia Wines & Spirits, que em pouco tempo teve de deixar o papel de “filha do patrão” para assumir a liderança da empresa, após o falecimento do seu pai em 2021, ainda em período de pandemia.

“Lidei com a complicação de ter pessoas com mais tempo de casa do que eu de vida. Estes olhavam para mim de uma forma diferente. Para eles eu era a filha do patrão que eles viram crescer a correr pelos cantos da empresa. Para ultrapassar este estigma, tive uma aproximação diferente aos colaboradores. Andei uma semana com todos os comerciais, de Trás-os-Montes a Vila Real de Santo António, passando pelas Ilhas, porque queria conhecê-los e queria que eles me conhecessem a mim”, relata.

A gestora reconhece que este processo de “andar de carro durante uma semana com um colaborador” permite falar de tudo um pouco e conhecer melhor a pessoa. “O pedir ajuda, o dar tempo para conhecer aqueles que nos rodeiam é um processo necessário, não só nas empresas como também na sociedade”, garante.

E quem tem uma base de liderança por baixo tem de ter empatia e humanização dentro do local de trabalho. Tem de conhecer bem as pessoas e saber quais as suas emoções num determinado momento

Filipa Garcia

Filipa Garcia, relata ainda que, quando assumiu a liderança desenvolveu uma nova forma de gestão dentro da Garcias. “Deixou de ser uma empresa de one man show, e criei uma equipa de direção. Somos praticamente todos da mesma idade e temos várias mulheres na equipa que não foram contratadas por serem mulheres mas sim pelas suas capacidades e competências. E quem tem uma base de liderança por baixo tem de ter empatia e humanização dentro do local de trabalho. Tem de conhecer bem as pessoas e saber quais as suas emoções num determinado momento. Costumo dizer que 90% do meu trabalho é ser psicóloga”, conta.

Mas se numa empresa familiar como é a Garcias este processo pode ser mais simples, numa organização como o Centro Cultural de Belém, com o peso institucional que lhe é reconhecido, este processo tende a ser mais complicado para a gestão. “Nós temos pessoas com funções muito distintas, desde o técnico de palco ao eletricista, aos assistentes de bilheteira, aos programadores de espetáculos, e eu acredito muito neste managing by walking arround. Acho que o contacto direto com as equipas e as conversas que acontecem fora da hora marcada são fundamentais para criar espírito de corpo dentro da organização. Há dificuldades e constrangimentos, mas temos de remar todos para o mesmo lado. Temos de criar um ambiente onde as pessoas se sintam bem”, afirma Madalena Reis.

Sobre a gestão das progressões de carreira, a gestora explicou que as oportunidades que surgem dentro da organização “não têm de ser obrigatoriamente para cargos de liderança” ou com maior responsabilidade. “Por vezes há outras áreas que dão oportunidades de crescimento profissional e já tivemos exemplos de pessoas que encontraram a sua verdadeira vocação depois de terem passado por duas ou três funções diferentes. E hoje são dos melhores profissionais que temos naquele cargo. O diálogo tem de ser franco e aberto com as pessoas para se poderem criar verdadeiras oportunidades de desenvolvimento pessoal. E, no final, o desenvolvimento pessoal é o que todos procuramos quando entramos no mercado de trabalho”, remata.

A III Conferência Girl Talk teve o patrocínio do Santander Portugal e o apoio da Van Zellers & Co.

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